A PEC 32/2020, chamada de Reforma Administrativa, está tramitando no Congresso Nacional. A medida é o verdadeiro desmonte do serviço público, sob o discurso de que irá acabar com privilégios de servidores. A estratégia é separar a classe trabalhadora, fazendo acreditar que o mal que atinge uns não atingirá outros. Porém, sabemos que isso não é verdade.

Se aprovada, a Reforma Administrativa vai comprometer gravemente os serviços públicos no País. A precarização das condições de trabalho no serviço público será sentida por toda a população, e tem como único objetivo não a economia de recursos públicos, mas sim entregar à iniciativa privada tudo o que é arrecadado, tudo o que foi construído ao longo de anos com muita luta da classe trabalhadora.

A luta de todos e todas será imprescindível para derrotar mais este ataque do governo Bolsonaro contra os trabalhadores e trabalhadoras. É preciso dialogar com a sociedade e esclarecer os efeitos nocivos da Reforma Administrativa, que, entre tantas outras consequências, abre espaço para privatizações de áreas essenciais, colocando os recursos públicos nas mãos de empresas privadas.

1) O FIM DO SUS, DA EDUCAÇÃO, DA ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO CONHECEMOS

No lugar de sistemas integrados, estruturados e complexos, que servem à população, o governo poderá implantar vouchers. Ou seja, em vez de obrigatoriamente o serviço ser prestado pelo setor público, as pessoas terão acesso por meio de vales no setor privado. O formato de serviço público como conhecemos, construído e debatido amplamente nos Conselhos de Direitos, Conferências e audiências públicas, está fadado ao fim, caso a PEC 32 seja aprovada. A entrega de serviços essenciais à iniciativa privada fará com que nossos direitos sejam tratados como objeto de negócios, cujo objetivo é a obtenção de lucros. Quando atender a população não for financeiramente interessante, quem assumirá a execução dos serviços? Temos acompanhado, nesta pandemia, o quanto o serviço público é  primordial para garantir atendimento à população.

2) DIREITOS HISTÓRICOS SÃO VEDADOS

Com a PEC 32 passa a ser vedado a qualquer servidor ou servidora: a) férias em período superior a 30 dias por ano; b) progressão horizontal ou gratificação, por tempo de serviço; c) aumento de remuneração ou parcelas indenizatórias que tenham efeitos retroativos; d) licença prêmio; e) redução de jornada de trabalho sem redução de remuneração correspondente (fica de fora cargos típicos de Estado); f) parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e valores em lei (ex: vale alimentação, risco de vida, auxílio funeral). Se não forem previstas em lei, ficam extintas dentro de dois anos de vigor da PEC. Fica vedado o recebimento de remuneração de gratificações, parcelas indenizatórias, bônus, honorários, tudo que não seja de caráter permanente, durante afastamentos e licenças dos servidores, a não ser por incapacidade temporária para o trabalho. São direitos conquistados com anos de luta dos servidores públicos, justamente para garantir a qualificação, o investimento e o descanso necessário para que profissionais das diversas áreas tenham interesse em atuar no serviço público por longos períodos, proporcionando atendimento de longo prazo, bem planejado e estruturado à população. Não são privilégios, são direitos que visam o melhor atendimento à sociedade!

3) PRIVILÉGIOS DA ALTA CÚPULA SERÃO MANTIDOS

A maioria dos servidores brasileiros, atualmente, é da esfera municipal. A maior parte desses trabalhadores recebe em média um salário de R$2,8 mil, apenas 8% a mais do que trabalhadores da iniciativa privada. Os mais atingidos serão os profissionais de saúde, assistência social, educação, que atuam cotidianamente próximo da população, nas unidades básicas de saúde, centros de referência de assistência social, escolas, entre outros. Estão fora da Reforma Administrativa os juízes, promotores, procuradores, parlamentares e militares.

4) PRECARIZAÇÃO NO ATENDIMENTO À POPULAÇÃO

O Brasil já possui poucos servidores públicos em relação à sua população: são 12,5%. Enquanto a média dos países liberais incluindo EUA, França, Alemanha é de 15,9%, e América Latina e Caribe com 17,8%. A PEC dá abertura ainda maior à atuação de corporações privadas no serviço público, como organizações sociais e serviços terceirizados. Firma instrumentos de cooperação com órgãos e entidades do público e privado para a execução de serviços públicos, inclusive com compartilhamento de estrutura física, recursos humanos particulares, com ou sem a necessidade de contrapartida financeira. Por experiência, nestas condições, já conhecemos a precarização das condições de trabalho e consequentemente do serviço prestado. Continuaremos contribuindo com impostos para o setor privado retirar o lucro, tratando como negócio aquilo que é direito da população.

5) UM NOVO MODELO DE TEMPO DE EXPERIÊNCIA

Ao instituir um novo modelo de tempo de experiência, os servidores públicos ficarão ainda mais à mercê dos desmandos do governo de plantão. Os poucos concursos públicos que existirem terão que ter o cumprimento de, no mínimo, um ano de experiência com desempenho satisfatório. Com uma nova classificação de concurso ao fim do período de um ano de experiência, o servidor pode perder a sua vaga por não ter atendido às expectativas do gestor. Não há definição de quem fará essa nova avaliação e quais serão os critérios. Se for cargo típico de Estado, serão dois anos de experiência. Durante esse período o servidor não terá direito a outro vínculo que seja compatível com a carga horária e não terá nenhum direito se perder a vaga. Portanto, o colocando numa situação de extrema vulnerabilidade, fazendo com que o servidor público não tenha segurança para se opor a esquemas de corrupção e sucateamento do serviço público.

6) AUMENTO DE INDICAÇÕES POLÍTICAS

Hoje, aos cargos comissionados ou funções gratificadas cabem atribuições estratégicas, administrativas e gerenciais. Com a Reforma Administrativa abrem-se as portas para atribuições técnicas, ampliando e muito a entrada de cargos comissionados em diversas áreas do serviço público. Muitos daqueles que se elegem para cargos no Executivo e Legislativo, recebem apoio financeiro em suas campanhas, e, em contrapartida, prometem cargos por indicação em equipamentos públicos. É o famoso “cabide de empregos”. A PEC 32 amplia a possibilidade de colocação nestes cargos comissionados, de confiança. Assim, fica claro que a intenção não é economizar os gastos públicos, e sim poder utilizá-los da forma como o gestor bem entender, direcionando-os àqueles que o apoiam política e financeiramente.

7) NORMAS GERAIS ÚNICAS AOS SERVIDORES PÚBLICOS

Uma lei complementar federal deverá definir normas gerais aos servidores públicos, como um plano de cargos e salários/plano de carreira único a nível nacional a todas as esferas (municipal, estadual, federal). Definirá sobre remuneração e benefícios, duração de jornada de trabalho, organização da força de trabalho, progressão, promoção, desenvolvimento e capacitação, assim como avaliação de desempenho periódica. Os municípios/estados poderão ter regime jurídico próprio apenas para reger sobre vínculo de experiência, cargos com vínculo por prazo determinado e indeterminado e cargos típicos de Estado, porém sem ser contrários à legislação federal. Ainda não se sabe quais serão os cargos típicos de Estado, que deverão ser definidos também por lei complementar federal, e os municípios não poderão ir contra a legislação. Retira-se, portanto, a autonomia dos estados e municípios, retira-se a possibilidade de reivindicação dos trabalhadores àqueles que o empregam diretamente.

8) FIM DA ESTABILIDADE

Das cinco formas de previstas de contratação pela PEC 32, apenas cargos típicos de Estado (que ainda serão definidos por lei complementar federal) poderão adquirir estabilidade após dois anos de experiência e mais um ano no efetivo cargo (três anos), e ainda assim passará por avaliação de desempenho periódica, podendo ser dispensado durante e ao fim do período de experiência. Sobre as avaliações de desempenho, não há definição de por quem deverá ser realizada e quais critérios deverá atender, mais uma vez trazendo incertezas e possibilidades de violência moral e perseguição política. Lembramos que o direito à estabilidade não impede que um servidor público seja exonerado, apenas garante que a exoneração não seja executada de forma arbitrária por parte da gestão. Isso evita que um servidor público seja exonerado do cargo que ocupa por se opor ao prefeito, ao governador ou ao presidente, por exemplo. O fim da estabilidade facilita a perseguição política, o assédio moral e a corrupção. Além disso, facilitará a interrupção frequente do serviço prestado à população, pois um professor ou professora, enfermeiro ou enfermeira, por exemplo, que atende no seu bairro, poderá ser desligado a qualquer momento do quadro de servidores.

9) TODO O PODER AO PRESIDENTE

Quando não houver aumento de despesa ou supressão de estrutura de carreira e alteração de remuneração, por meio de decreto, o Presidente poderá alterar: a) organização e funcionamento da administração pública federal; b) extinção, transformação, criação, fusão de ministérios e órgãos subordinados ao presidente da República, de cargos públicos efetivos vagos, cargos de liderança e assessoramento, funções gratificadas, gratificações não permanentes ocupadas ou vagas. Restringe seriamente a possibilidade de controle social por parte da sociedade civil, pois é no município que se sente na pele a atuação do serviço público, nas escolas, creches, CRAS, UBS. A PEC 32 visa centralizar o poder de decisão e organização da esfera pública em nível federal.

10) EFEITOS DA PEC AFETAM A TODOS OS SERVIDORES PÚBLICOS

Muito se fala sobre a PEC afetar apenas os servidores novos, que vierem a realizar concurso público. Todas essas alterações passam a valer se aprovadas para novos servidores públicos, porém os municípios terão que adequar as suas leis municipais à legislação federal, fazendo com que os prefeitos tenham abertura para adequar essas mudanças aos servidores já existentes, como por exemplo fim da licença prêmio, mudanças no plano de cargos e salários etc. Assim também ocorreu com a Reforma da Previdência, quando utilizou-se o discurso de que não atingiria os servidores públicos. Porém, já sentimos os impactos que se impõem após a aprovação de tal Reforma. O aumento da nossa alíquota de 11% para 14% é apenas um deles. O restante ainda está por vir!