A escola pública como conhecemos pode acabar, afirma especialista

Luis Carlos de Freitas, conferencista, ao lado de Leda Scheibe, representante do FEPE-SC (Divulgação)

Com informações Kamille Vaz

O seminário de fundação do Fórum Estadual Popular da Educação de Santa Catarina (FEPE-SC) recebeu em sua conferência de abertura o professor doutor Luis Carlos de Freitas. Especialista em Didática, Avaliação e Políticas Públicas, o Professor Titular aposentado da Faculdade de Educação da Unicamp apresentou suas reflexões a partir dos dados de pesquisas que realizou sobre as origens consequências das políticas educacionais neoliberais. Freitas, apontou as consequências para a educação pública brasileira considerando o que vem sendo anunciado pelo governo Bolsonaro. Afirmou, dentre outras coisas que, a escola pública, como conhecemos, pode acabar se não houver resistência.

O Fórum Estadual Popular da Educação de Santa Catarina (FEPE-SC) foi fundado no dia 20 de março por representantes de 28 entidades e movimentos educacionais catarinenses na FAED/UDESC. Ele é a versão regional do Fórum Nacional Popular da Educação (FNPE) e nasce de um deslocamento de entidades do Fórum Estadual de Educação (FEE-SC), após o governo estadual desrespeitar decisões democraticamente tomadas no plenário do fórum, que tem um caráter de órgão de Estado. Os detalhes constam em carta de desligamento das entidades da bancada da sociedade civil, divulgada em dezembro de 2018.

O Sintram faz parte do fórum e esteve presente no seminário com seus diretores e conselheiros Marcos, Vitor e Leda.

O auditório do Centro de Ciências Humanas da Universidade Estadual de Santa Catarina (FAED/UDESC) ficou lotado na manhã do último dia 20. Cerca de 140 pessoas, a maioria representantes de sindicatos, entidades estudantis, associações acadêmicas/científicas, partidos políticos, mandatos parlamentares, movimentos sociais, prestigiaram a conferência de abertura do Seminário de fundação do FEPE-SC.

Vera Lúcia Bazzo, representante da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), durante o debate da carta de princípios (divulgação)

No período da tarde, foram discutidas as ações que ao final compuseram o plano de lutas, aprovado juntamente com a carta de princípios do movimento. Segundo representantes da coordenação do FEPE-SC esses documentos ainda passarão por uma sistematização final para posterior divulgação.

As representações que compõe o Fórum Catarinense são aderentes ao manifesto Carta de Belo Horizonte, documento aprovado na plenária final da I Conferência Nacional Popular de Educação (CONAPE), organizada pelo FNPE (abril de 2018) em que os articulares do FEPE-SC participaram ativamente, enquanto ainda compunham o FEE-SC, organizando a Conferência Estadual Popular de Educação, realizada em março de 2018, na UFSC.

De acordo com a professora Rita Pacheco Gonçalves, representante do Fórum de Educação de Jovens e Adultos (FEJA) no fórum, foi indicado a realização de um novo seminário estadual para formar uma frente parlamentar em defesa da educação, além de consolidar o processo de unificação das entidades.

Filosofias sociais em jogo, nova polarização entre direita e esquerda

Freitas alerta que até pouco tempo havia uma pulverização das concepções de direita e esquerda no campo, especialmente das instituições que compõem a direita brasileira, como o jornal “A Folha de São Paulo” como estratégia de desmobilização social.  Porém, hoje há uma polarização prática que retoma a discussão conceitual entre as filosofias sociais que estão em jogo, orientando as disputas na conjuntura, cujo cenário político está definido por uma coalização conservadora-liberal no governo.

O professor lembra que as respostas às crises que levaram às duas grandes guerras, produziram modelos de produção/organização econômica que disputam a hegemonia da orientação política e econômica no mundo capitalista. Nos pós-guerra o que foi desenvolvido com mais ênfase e ganhou o campo das políticas, foi o que ficou conhecido como Estado de bem estar social. Esse modelo entra em colapso com a crise do petróleo na década de 1970, o que levou a uma retomada do liberalismo em sua vertente mais radical, dando origem ao neoliberalismo, que já vinha sendo desenvolvida no campo teórico e que agora passa a ganhar terreno no campo da política e da economia.

Neoliberalismo no comando

Atualmente, é essa filosofia social, do neoliberalismo, que hegemoniza, segundo Freitas, as coalizões que visam dirigir os Estados no mundo e por consequência a educação. A diferença básica entre o liberalismo clássico e o neoliberalismo é que o segundo prioriza o mercado acima de qualquer outra questão, inclusive da democracia representativa, e é por isso que se vê fortes ataques às democracias atualmente. Para seus expoentes teóricos, as urnas e a democracia não são importantes. Para garantir o livre mercado se pode inclusive, se promover ditaturas, como foi o caso do Chile sob Pinochet, por exemplo.

Seria justamente nesse ponto, o de garantir o livre mercado a qualquer custo, mesmo ao custo da democracia, que se faz a aliança entre os neoliberais e os conservadores, que são o elo autoritário dessa corrente.

Democracia liberal representativa em crise

“O que está em confronto, colocado em crise é exatamente a democracia liberal representativa, o embate hoje é para, a partir da democracia, corroer a democracia pelo seu interior”, ou seja, assume-se o poder pela democracia para corrompe-la por dentro, com base nas aprovações de leis, decretos e na própria “destruição” da constituição.

Para Freitas, esse é o principal ponto de referência na conjuntura, tendo em vista, como afirmou veementemente, essa é a ameaça central ao redor do mundo hoje. A atual conjuntura brasileira expressa o que vem sendo pautado como política de reestruturação do capital em âmbito mundial no campo do neoliberalismo conservador.  Nesse ponto, Freitas afirma que uma das maneiras de corromper a democracia liberal-representativa é corromper a escola pública, pois a escola pública do ideário liberal clássico, tem papel estratégico para a formação dos cidadãos, os quais são fundamentais para manter o sistema atual, que perpassa desde a própria formação para o trabalho até ao direito ao voto, o qual vem acompanhado da necessidade de formar consciências, mesmo que muito limitadamente.

Escola pública ameaçada

“Está correto afirmar que a escola pública nunca esteve tão ameaçada como está hoje”.

Luis Carlos de Freitas, em conferência na fundação do FEPE-SC

Prof. Luis Carlos de Freitas durante a conferência de Abertura do Seminário em Defesa da Educação Pública, que fundou o FEPE-SC

Freitas afirmou que “(…) a escola pública nunca esteve tão ameaçada como está hoje” e que isso não é um fenômeno apenas brasileiro. Em outros países, também há coalizões de conservadores e liberais para a disputa política e administração de seus países e por consequência das políticas educacionais. Trata-se, então, de um processo global.

Para o professor, a escola pública chegou até aqui, orientada por uma política social democrata que, embora considerasse a formação do cidadão para sua inserção na democracia representativa liberal, teve como consequência a privatização pela terceirização, a padronização curricular, a responsabilização vertical, entre outros.

Esse processo criou o que se tem chamado de público não estatal, no qual organizações sociais, filantrópicas e ONGs tem papel importante na disponibilização dos serviço público educacional, através da recepção de recursos públicos, antes destinados diretamente às escolas oficiais.

O modelo expresso no Brasil pelo governo Bolsonaro, de coalização neoliberal e ultra conservador, não se opõe, necessariamente às consequências do modelo anterior e utiliza a “estrutura” montada, de avaliação censitária, padronização curricular e responsabilização, para colocar a educação completamente no livre mercado, implementando políticas de desresponsabilização estatal, como as propostas de vouchers educacionais, escolas charters e home schooling.

Nesse contexto, declara Freitas, as consequências dessa política é o estrangulamento completo das escolas públicas oficiais e uma educação não muito diferente da que existe atualmente em termos de qualidade. Do ponto de vista social e econômico, haverá um empobrecimento agudo de grande parte da população, como houve nos países que já implementaram essas políticas.

O professor lembra ainda que, por mais que na coalização que venceu as eleições se observe algumas divergências, principalmente entre liberais e conservadores, especialmente as relacionadas ao conservadorismo religioso, o projeto de sociedade e, nesse caso, de escola é comum. Dessa forma, pra manter a escola pública como conhecemos e melhorá-la, restaria ao campo progressista da sociedade, a resistência e a luta contra esse modelo e a defesa incansável pela a escola pública estatal.

Saiba mais

  • A palestra completa pode ser assistida clicando AQUI.

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