OSS: entenda por que esse modelo de administração do SUS é tão prejudicial à população

Em tempo recorde, prefeitura conseguiu aprovar projeto que transfere administração do SUS em São José para uma Organização Social de Saúde (OSS)

A Câmara de Vereadores de São José aprovou Projeto de Lei que institui o programa de incentivo a Organizações Sociais voltadas à Saúde (OSS). A lei é de autoria do Executivo e permite à prefeitura contratar uma OSS para administrar o pronto atendimento que funcionará no mesmo prédio da Policlínica de Forquilhinhas. Porém, a mesma lei também possibilita que as demais unidades que atendem pelo SUS sejam administradas por uma entidade deste tipo. As Organizações Sociais de Saúde (OSS) são instituições do setor privado, sem fins lucrativos, que atuam em parceria formal com o Estado ou municípios.

A Lei já foi sancionada e publicada. O próximo passo é a divulgação do edital de credenciamento da Organização Social. A escolha da entidade deverá ser feita por uma comissão e o contrato poderá ser de até 10 anos. Na avaliação do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público de São José (Sintram/SJ), esse tipo de gestão é comprovadamente inapropriada para aplicação na saúde pública, e se coloca contrário à medida.

O modelo de gestão das Organizações Sociais de Saúde (OSS) implantado em Santa Catarina desde a primeira metade da década de 2000, por exemplo, representa a imposição da lógica do lucro dentro da saúde pública. O direito dos usuários deixa de estar em primeiro plano, uma vez que essas instituições prezam por realizar procedimentos mais rentáveis. Para além da lógica lucrativa, por vezes envolta em corrupção, o sistema de OSS também tem se demonstrado ineficiente e pouco vantajoso do ponto de vista econômico para as administrações públicas. Atualmente, paga-se mais por uma quantidade menor de atendimentos em unidades gerenciadas por essas Organizações.

Outro exemplo claro é a crise na saúde no Rio de Janeiro. O contexto chamou a atenção para as OSS que prestavam serviços para o poder público, como a administração de hospitais. Atualmente, dez Organizações Sociais do Rio têm contratos de gestão vigentes com a Secretaria Municipal de Saúde. Dessas, oito constam em relatório do Tribunal de Contas ou ações do Ministério Público Estadual. As denúncias vão desde superfaturamento até a má qualidade na prestação de serviços e superlotação de hospitais.

Tramitação relâmpago

O Executivo josefense elaborou um projeto de lei sem dialogar com a comunidade, com o Sindicato, que representa os trabalhadores do setor, ou mesmo com os membros do Conselho Municipal de Saúde.

Para o presidente do Sintram/SJ, Marcos Aurélio dos Santos, isso deixa claro que o governo municipal não se importa em ouvir os anseios da população. “Se esse projeto tivesse sido discutido pelo menos no Conselho de Saúde, muitas dúvidas e sugestões teriam sido apontadas. Mas a administração demonstra não querer saber qual é a opinião dos usuários do sistema municipal de saúde”, diz ele.

Na avaliação do presidente do Sindicato, a administração do SUS via Organização Social de Saúde faz com que a precarização do trabalho seja cada vez maior, com salários menores e carga de trabalho exaustiva. Além disso, trabalhadores terceirizados não criam identificação no atendimento à população devido à alta rotatividade. Além disso, as Organizações Sociais recebem por funcionário valores superiores a um trabalhador estatutário, que muitas vezes possui uma maior capacitação na área.

Uma das justificativas usadas pela Secretaria de Saúde é de que a contratação de servidores concursados iria esbarrar na burocracia, demandar tempo e atrapalhar o início dos trabalhos. Em relação a isto, cabe lembrar que há pelo menos SEIS ANOS o projeto vem sendo desenvolvido, e por INÚMERAS vezes a inauguração chegou a ser anunciada. Neste período, houve tempo suficiente para a Prefeitura realizar o devido concurso público para preenchimento das vagas.

Vereadores ficaram surpresos com a medida

Na Câmara de Vereadores, a tramitação em regime de urgência causou estranheza entre alguns vereadores, visto que o projeto foi aprovado cerca de dez dias após ter sido protocolado.

Por meio da imprensa, alguns vereadores expressaram preocupação em relação à forma como ocorreu a aprovação do projeto. Clonny Capistrano (PMDB), que votou contra a proposta, enfatizou que “foi definido em dez dias uma responsabilidade que terá o prazo de dez anos”. Ele também questionou a maneira como o texto tramitou, sem a devida discussão. “As comissões deram um parecer conjunto, o projeto não foi discutido em cada uma delas. E o parecer do relator nos foi enviado no dia da votação”, disse o parlamentar a um veículo da imprensa.

Já o vereador Michel Schlemper (PMDB), que também votou contra o projeto, fez questão de lembrar outras unidades de saúde que são administradas por Organizações Sociais e tiveram problemas de precarização do serviço. “Somos favoráveis a alternativa de uma OS, desde que tenha um acompanhamento forte de fiscalização. Mas a forma como foi conduzida, sem ter no processo qualquer tipo de oitiva em relação aos servidores, ao Conselho Municipal de Saúde, sem especificar ainda o orçamento, nos mostrou que é um atestado de falta de planejamento da prefeitura”, disse Schlemper em entrevista divulgada ontem.

Outra questão de extrema importância apontada pelo vereador André Guesser (PDT), é a existência de dispositivos na lei que, a depender de interpretação, podem servir como formas de suplementação financeira para a Organização Social por decisões diretas do Executivo. Ou seja, a Administração poderá repassar a qualquer momento mais recursos à entidade que estiver administrando o sistema.

Conselho Municipal de Saúde não foi chamado para discussão

Conforme informações da presidente do Conselho Municipal de Saúde de São José, Daniela da Silva, nem mesmo o Conselho participou da discussão sobre a possível gestão compartilhada com Organizações Sociais. Uma reunião para tratar o assunto está marcada somente para o dia 9 de novembro.

Daniela lamentou que a administração desconsiderou totalmente a opinião deste importante fórum de debates. “A proposta não foi aprovada ainda pelo Conselho Municipal. Não foi debatida. Fizeram o caminho invertido, passaram primeiro na Câmara, e depois no Conselho”, disse ela à imprensa.

Ainda que não exista necessidade legal de tramitação e aprovação do projeto pelo Conselho de Saúde, é justamente neste espaço que são apresentadas as demandas da comunidade. É o Conselho de Saúde o maior conhecedor das dificuldades do setor, sendo este o ambiente mais adequado para construção de políticas públicas que favoreçam o usuário do sistema.

Sintonia ou conchavo entre os Poderes?

A prefeita Adeliana Dal Pont (PSD) já deixou claro que irá repassar a administração da policlínica de Forquilhinhas a uma Organização Social. Desde o protocolo até a aprovação, o projeto tramitou por cerca de dez dias na Câmara de Vereadores, o que, segundo a prefeita, demonstra a “sintonia” entre os dois Poderes. Seria mesmo sintonia, ou um acordo? Lembrando que Adeliana é respaldada por ampla maioria no Legislativo municipal, o que garante a ela segurança na votação de projetos, independente do teor ou a quem o texto irá favorecer.

Sempre que possível, Adeliana afirma que a Saúde é prioridade no seu governo, principalmente em épocas de campanha. Em determinada oportunidade, a prefeita afirmou categoricamente que não aceitaria desrespeito a direitos dos usuários. “Saúde é um dever municipal. Nós não vamos usar desses subterfúgios de OS, fundações, nada disso. A ligação deve ser direta com Secretaria da Saúde e gabinete da prefeita, porque é isso que você quer de mim”.

Veja o vídeo abaixo.

 

 

 

 

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